De-sa-ba-fo

Eu tenho uma condição de saúde rara parcialmente identificada que me causa incontáveis problemas de saúde. O fato de eu estar bem, sorrindo alegre e confiante em um dia e em outro péssima, ausente, irritada e deprimida, é um reflexo disso.

Essa mudança é brusca para quem vê de fora, para mim é normal. Sempre ouvi:
"Nossa, você está sempre doente."
"Seu humor muda do nada, o que acontece?"
"Você precisa se controlar/ deixar de ser assim/ ter mais fé/ se cuidar/ reclamar menos, não ficar falando sobre essas coisas negativas etc. etc."

Eu fiz muita terapia para chegar aqui nessa mensagem e dizer tudo isso.
Eu agradeço a quem se preocupa e me contata perguntando como estou, se melhorei, me deseja melhoras. Mas, o fato, é que eu não tenho perspectiva de melhora e confesso que me angustia não ter uma resposta simples ou positiva para dar. E eu cansei de tentar disfarçar meu mal estar, como se nada estivesse acontecendo. Porque cada vez que me perguntam como estou sinto até vergonha de dizer que na mesma ou pior. Como se fosse só uma reclamação ou tivesse uma cota a bater de doença e depois só tivesse que estar saudável, sabe?

Simplesmente, porque não consigo justificar para as pessoas a razão pela qual estou cronicamente mal, cada hora com um problema diferente.

Pode parecer desculpinha, mimimi, mas não é. Eu estou aprendendo a valorizar os momentos bons, aproveitá-los, porque os momentos ruins certamente virão e ficarei incapacitada de viver como gostaria. Se eu falo sobre "essas coisas negativas", me apresento emocionalmente frágil, fisicamente abatida, é porque está foda demais até para disfarçar.

Cada dia da minha vida é sagrado e eu luto para que quem está próximo possa compreender isso e colaborar para ao menos não piorar. O famoso "quem não ajuda não atrapalha". Se você não sabe como lidar com isso, não posso mais dizer que sinto por isso, porque é pesado demais para que eu tente lidar com as questões alheias. O que eu preciso e posso compartilhar essa necessidade em forma de pedido, é empatia, acolhimento, um abraço, uma palavra amiga que me incentive a seguir firme, um colo, um ombro para chorar nos momentos mais críticos.

Sendo uma condição rara e parcialmente diagnosticada, não conheço ninguém com a mesma condição para trocar a respeito, para apoio mútuo. Até o momento, não tem grupo de apoio, não tem alívio na literatura médica, me sinto um unicórnio - parece que não existo.

São 23 anos pesquisando, indo a incontáveis especialidades médicas, fazendo exames periódicos e dolorosos, muitas veias estouradas, efeitos colaterais bizarros de todos os tipos sobre praticamente qualquer medicação e até mesmo as naturais. Tem sido uma trip assustadora.

Eu cuido da minha saúde muito mais do que o "normal". Para alguns (incluindo médicos desinformados), esse cuidado já foi visto como hipocondria (queria muito esfregar esse diagnóstico parcial na cara deles e mandar a conta da minha terapia por tanta coisa horrível e trumática a que fui submetida) . Mas sofrendo a vida toda, dá pra imaginar que conheço bastante sobre mim ao menos. Eu costumo, inclusive, rebater médicos arrogantes com "você pode manjar da anatomia, mas do meu corpo sei eu". A escuta atenta para cada movimento interno do meu corpo foi sendo apurada para lidar com essas questões e, apesar de ouvir de muita gente que sou "impressionável", que "procuro pelo em ovo"  e tal, esse autoconhecimento foi o que me salvou de uma série de problemas e que contribuiu para que muitos médicos fizessem o seu trabalho direito.

Para tentar melhorar minha qualidade de vida, não me restringi à medicina tradicional, tendo até feito cursos de aromaterapia, fitoterapia, pesquisado medicinas alternativas, culinárias e dietas diversas, basicamente já testei de quase tudo, posso dizer que sou uma cobaia humana e isso é desgastante. Mas é tentar ou desistir. Sigo na primeira opção.

Tô exausta de ouvir de pessoas próximas e de médicos que preciso tratar a ansiedade. Depois de 10 anos de terapia (minha psicóloga ((gratidão por me acompanhar, Ju!!!)) pode atestar minha profunda disponibilidade para o autoconhecimento), concluí que sofri uma série de violências gratuitas de médicos (e psicólogos e psiquiatras) que ignoram minha condição, que não sabem reconhecer suas limitações e muito menos exercitar o que sua profissão pede: empatia e acolhimento. Para muitos, é só apertar parafuso.

E, sim, eu sofro com ansiedade extrema, a ponto de ter crises de pânico em algumas ocasiões, mas querer evitar as crises é chover no molhado. A raiz é a angústia por me sentir tão mal, aflita com tantos problemas de saúde e sem nenhuma resposta ou tratamento ao longo da vida - e já somo 40 anos nessa jornada. Quem não ficaria ansiosa em uma situação como essa?

A ansiedade é uma consequência. E sigo manejando o estresse, buscando formas de atenuar essa angústia para viver e não só esperar por um diagnóstico e um tratamento, pois cura não há. Portanto, a ansiedade é perfeitamente natural. Não deixarei que mais ninguém deslegitime minha dor me tratando como desequilibrada ou desleixada!

A algumas poucas pessoas próximas eu recorro para desabafar e pedir colo. Agradeço o acolhimento e o carinho. Em muitos momentos é o que me salva do completo desespero, sem exagero.

Algumas outras, sinto que tomam como resmungo, reclamação, como se eu fosse fraca e ingrata pela vida. A essas, minha resposta à pergunta corriqueira "tudo bem?" deveria ser "tudo bem!", independente de como as coisas vão. Eu já senti muito por isso, por parecer estar incomodando. Agora, me liberto e me dou o direito de viver sem esse peso, afinal, já carrego muitos. Não posso esperar que as pessoas compreendam... Cansada de ficar tentando justificar uma inconstância que reflete uma condição da qual eu não tenho controle ou fingindo estar bem quando não estou.

Em relação ao meu trabalho, quem faz negócio comigo sabe que honro com meus compromissos, que sou profissional no trato. Eu estou ciente do meu empenho e em paz.

Para quem leu até aqui, conto o que descobri até agora, não para matar curiosidade, porque isso faria eu me sentir uma atração circense, mas na esperança de encontrar alguma saída, alento, insight, notícia ou sinal de fumaça que possa me ajudar. Quem sabe...

O que sei até agora é que tenho uma mutação genética rara e que minha hipófise não funciona como deveria. Por isso, tenho múltiplas deficiências hormonais, a saber: hipogonadismo hipogonadotrófico, hipotireoidismo e deficiência do GH. De 6 hormônios da hipófise eu não produzo 3 e o 4o vai mais ou menos. Esse combo afeta minha saúde e qualidade de vida de formas in-con-tá-veis. Fora os inúmeros desdobramentos de tudo isso que afetam negativamente minha vida, inclusive por questões burocráticas de ser humano em um sistema capitalista. E isso é também um desabafo pra não ter que ficar mais me explicando individualmente, porque é cansativo, literalmente.


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