Ando rodeada de sonhos desbotados, trôpegos e esfarrapados. Ando a passos apertados, como quem tem pressa e sonha à beça com as coisas simples da vida. Tenho as mãos crispadas pelas maldades que a vida trouxe atrelada às costas. Tenho os olhos num ponto longe que não se sabe onde se perdem sem alento ou qualquer vestígio de esperança. Mas no fundo a pupila dança, com imagens de salões alegres em que corpos bailam até as hora mais tardias. Eu tenho os pés mais leves que um sonhador pode ter. Pisados de nuvens e delícias que outrora se desfizeram sob seu rastro. Possuo o beijo de criança que aprende a gostar. De ternura e cor, sim, cor! As faces coradas em rouge carmim e a boca tão encarnada de boneca de porcelana. Ah, os saltos! Saltar poças d'água já não era tão divertido... Espelhar-se nelas por segundos e ultrapassar seus limites sem molhar os calcanhares. Nostalgia zonza de quando era criança e lambia colher de doce na panela que a mãe cozinhava. Catar pedrinhas no chão e encher os bolsos de jóias preciosas que ninguém havia de tocar. Ter tantos amigos! Todos eles formigas e tatus no jardim de roseiras altas e espadas-de-são-jorge. Hipnotizar com as cores dos móbiles e cristais à tardinha com o sol morno e preguiçoso. Pés descalços na sarjeta refrescando n'água que o vizinho lavava a calçada. Água brilhante, bonita. O vento varria os problemas e as tristezas para quem era criança. Brincava de dança com meu vestido florido.
A arte de colher pedras preciosas
Às vezes precisamos de pessoas assim, que nos façam sentir a frescura do ar e o perfume das flores. De meninas tão leves e doces que venham com pedrinhas nas mãos - dizendo ser preciosas. De um chocalho, umas penas, alegrias e tendas. De colares, colores, olhares, manjares. Eu vi a luz hoje e me encantei como antes. Eu vi o azul da saia e a vida em avenidas e esquinas. Eu vi hoje a placa na rua que dizia "precisa-se de felicidade". E eu não escolhi o caminho da saudade. Nos pés, os chinelos batidos com pedrinhas brilhantes. Na bolsa, toda esperança querendo saltar pelas bordas. Eu vi o verde e meus olhos sentiram a falta da mãe. Do sal d'água que fica na pele e do sol queimando os cabelos na praia aberta. Sinto falta da saia rodada e dos panos enrolados no corpo. Sinto falta d'água na pele e o refresco d'alma. Veio o verão e já era tarde o pó de gelo abandonou os vidros da janela do quarto. Quero meu copo de gelo, com limão por favor.
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