Ando rodeada de sonhos desbotados, trôpegos e esfarrapados. Ando a passos apertados, como quem tem pressa e sonha à beça com as coisas simples da vida. Tenho as mãos crispadas pelas maldades que a vida trouxe atrelada às costas. Tenho os olhos num ponto longe que não se sabe onde se perdem sem alento ou qualquer vestígio de esperança. Mas no fundo a pupila dança, com imagens de salões alegres em que corpos bailam até as hora mais tardias. Eu tenho os pés mais leves que um sonhador pode ter. Pisados de nuvens e delícias que outrora se desfizeram sob seu rastro. Possuo o beijo de criança que aprende a gostar. De ternura e cor, sim, cor! As faces coradas em rouge carmim e a boca tão encarnada de boneca de porcelana. Ah, os saltos! Saltar poças d'água já não era tão divertido... Espelhar-se nelas por segundos e ultrapassar seus limites sem molhar os calcanhares. Nostalgia zonza de quando era criança e lambia colher de doce na panela que a mãe cozinhava. Catar pedrinhas no chão e encher os bolsos de jóias preciosas que ninguém havia de tocar. Ter tantos amigos! Todos eles formigas e tatus no jardim de roseiras altas e espadas-de-são-jorge. Hipnotizar com as cores dos móbiles e cristais à tardinha com o sol morno e preguiçoso. Pés descalços na sarjeta refrescando n'água que o vizinho lavava a calçada. Água brilhante, bonita. O vento varria os problemas e as tristezas para quem era criança. Brincava de dança com meu vestido florido.
A vida se desenrola em acontecimentos inesperados. Esse é o padrão. Tudo aquilo que pode mudar, irá mudar. Porque vida é movimento, como diz meu pai. A vida é essa oscilação constante, de natureza tortuosa, ora caótica, ora tranquila, caminhos ciclicamente intrincados. A morte é linha reta. O maior desafio da vida é a própria vida: tudo não passa de uma apresentação improvisada, sem ensaio, para se aproximar do equilíbrio - esse delicado ponto abstrato pelo qual vivemos e do qual a manutenção é utopia. Quando se pensa estar confortável, a vida vem turbulenta e nos sacode de modo que tudo que voa para o alto cai em lugares e de formas completamente diferentes. Não mais há tempo para memorizar, o tempo todo tudo muda e tudo é novo de novo. E esse eterno desconhecido é a perfeição que alimenta nossa evolução. As contradições ficam por conta do que aprendemos como bom e ruim. Do que entendemos por sucesso, felicidade... O cansaço faz parte e coexiste com a calma, a irritação e a tranquilid...
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