Procedimento trata doença pulmonar com anestesia local. Essa era a manchete que eu lia enquanto tentava digerir aquilo tudo. O café frio, a revelação, o frio que travava os dedos das mãos impedindo-os de articular agilmente. Entre uma notícia e outra, náusea. Tontura e calafrios. Não, não poderia estar acontecendo de novo. Não comigo, não da mesma forma. Comecei a acreditar piamente que eu é que causava esse tipo de reação. Ou talvez fosse uma inversão de papéis: o troco por ter agido assim no passado. Mas que culpa tenho eu? Por um lado é completamente claro, fácil de entender, devido às circunstâncias. Por outro, não desce nem com água. Procuro não penetrar profundamente em uma meditação sobre e me enfiar no trabalho. Não dá. Saio para ventilar o pensamento, a massa cinzenta do céu, o ar tão gélido quanto meus sentimentos... Ou quem sabe o estado de choque confundisse minhas sensações – um misto de dor-de-barriga, vontade de chorar e superação constante que triunfava com efeito de frases de auto-ajuda. Eu, uma tira de gente lançada nesse mundo pérfido, procurando me orientar a cada golpe que recebia. Nem toda a força do mundo poderia personificar o que sinto. Nem Mozart poderia compor melodia tão insuportável em sua dor e angústia. Meus olhos me traem. O aguaceiro ameaça e logo o contenho com um senso de localização que alarma ao lembrar que estou em uma sala repleta de colegas de trabalho. Mensagem nenhuma pois foi-me endereçada após a derradeira (que quase me nocauteara). Agora é respirar fundo, contar até mil e esperar da única forma que meus instintos conhecem: no desespero e na ansiedade doentia.
A arte de colher pedras preciosas
Às vezes precisamos de pessoas assim, que nos façam sentir a frescura do ar e o perfume das flores. De meninas tão leves e doces que venham com pedrinhas nas mãos - dizendo ser preciosas. De um chocalho, umas penas, alegrias e tendas. De colares, colores, olhares, manjares. Eu vi a luz hoje e me encantei como antes. Eu vi o azul da saia e a vida em avenidas e esquinas. Eu vi hoje a placa na rua que dizia "precisa-se de felicidade". E eu não escolhi o caminho da saudade. Nos pés, os chinelos batidos com pedrinhas brilhantes. Na bolsa, toda esperança querendo saltar pelas bordas. Eu vi o verde e meus olhos sentiram a falta da mãe. Do sal d'água que fica na pele e do sol queimando os cabelos na praia aberta. Sinto falta da saia rodada e dos panos enrolados no corpo. Sinto falta d'água na pele e o refresco d'alma. Veio o verão e já era tarde o pó de gelo abandonou os vidros da janela do quarto. Quero meu copo de gelo, com limão por favor.
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