Ela encosta o rosto na almofada macia e fecha os olhos para ouvir com precisão os sons. Sem distrações. Sem distorções. A tensão de cada tecla do piano, como um tendão a vibrar. A imagem composta em sua cabeça de dedos correndo ávidos por sons mutantes, delicados. Som crescente. Música. É como se massageassem seu coração já tão batido feito bife. Segue a linha da lógica e lembra-se de que bifes são temperados após martelados. Há de chegar a hora do sabor - pensa ela. E enquanto isso sonha, sonha o mais alto que pode. E sorri. E chora. Olha para as mãos com dedos finos e compridos. Analisa cada dedo. A cor que escolheu para as unhas, esta semana. Azul! Azul tinta de caneta. Para nunca esquecer que é dos dedos que fluem as palavras e não da ponta da língua. Eles imprimem as letras, impedindo que estas morram na saliva, sem uma nova chance de renascimento. Marcam com o fogo da vida as impressões de cada fagulha de emoção. De cada... Emoção...
A arte de colher pedras preciosas
Às vezes precisamos de pessoas assim, que nos façam sentir a frescura do ar e o perfume das flores. De meninas tão leves e doces que venham com pedrinhas nas mãos - dizendo ser preciosas. De um chocalho, umas penas, alegrias e tendas. De colares, colores, olhares, manjares. Eu vi a luz hoje e me encantei como antes. Eu vi o azul da saia e a vida em avenidas e esquinas. Eu vi hoje a placa na rua que dizia "precisa-se de felicidade". E eu não escolhi o caminho da saudade. Nos pés, os chinelos batidos com pedrinhas brilhantes. Na bolsa, toda esperança querendo saltar pelas bordas. Eu vi o verde e meus olhos sentiram a falta da mãe. Do sal d'água que fica na pele e do sol queimando os cabelos na praia aberta. Sinto falta da saia rodada e dos panos enrolados no corpo. Sinto falta d'água na pele e o refresco d'alma. Veio o verão e já era tarde o pó de gelo abandonou os vidros da janela do quarto. Quero meu copo de gelo, com limão por favor.
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