Se eu pudesse inclinar minha cabeça para o alto, de modo que a boca pendesse aberta, tudo sairia num vômito incontido para o céu como a inundar o universo. Todas as coisas, pessoas, lembranças, idéias e sentimentos, tudo que aqui reside, e deve ser lançado ao vento para não mais perturbar. Tudo que corrói por dentro e faz delirar febril durante os sonhos inquietos. A canção da manhã já soa como um réquiem à minha danação. Ao cair da noite o sol me abandona ao gélido e pálido desespero e à angústia de aguardar seu morno retorno. As estrelas já não me fazem companhia como outrora... Ouço Piaf num ritmo socado, sem parar "Padam, Padam, Padam..." enlouquecendo de agonia. As mãos torcem dentro dos bolsos, apertam, espremem, esticam para cima e um suspiro escapa dorido do peito.
A arte de colher pedras preciosas
Às vezes precisamos de pessoas assim, que nos façam sentir a frescura do ar e o perfume das flores. De meninas tão leves e doces que venham com pedrinhas nas mãos - dizendo ser preciosas. De um chocalho, umas penas, alegrias e tendas. De colares, colores, olhares, manjares. Eu vi a luz hoje e me encantei como antes. Eu vi o azul da saia e a vida em avenidas e esquinas. Eu vi hoje a placa na rua que dizia "precisa-se de felicidade". E eu não escolhi o caminho da saudade. Nos pés, os chinelos batidos com pedrinhas brilhantes. Na bolsa, toda esperança querendo saltar pelas bordas. Eu vi o verde e meus olhos sentiram a falta da mãe. Do sal d'água que fica na pele e do sol queimando os cabelos na praia aberta. Sinto falta da saia rodada e dos panos enrolados no corpo. Sinto falta d'água na pele e o refresco d'alma. Veio o verão e já era tarde o pó de gelo abandonou os vidros da janela do quarto. Quero meu copo de gelo, com limão por favor.
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