Eu estava sentada numa banqueta de uns 27 anos, no quarto abafado. Tantas coisas a fazer - pensava, e o ponteiro nunca falha. Entre um blues e outro - Blues For Mama de Nina Simone ou Just Another Twelve Bar de Pink Floyd - imaginava como Fante pôde captar toda aquela vida que queria correr em Bandini. Vida que inquieta a gente quando lê.

"Era um hábito, ajoelhar. Sentei-me.
Melhor ajoelhar, pois a pontada aguda nos joelhos era uma distração da terrível quietude. Uma prece. Certo, uma prece: por motivos sentimentais. Deus Todo Poderoso, lamento ser agora um ateu, mas o Senhor leu Nietzsche? Ah, que livro! Deus Todo Poderoso, vou jogar limpo nesta questão: vou Lhe fazer uma proposta: Faça de mim um grande escritor e eu voltarei à Igreja. E Lhe peço, caro Deus, mais um favor: faça minha mãe feliz. Não me importo com o Velho; ele tem seu vinho e sua saúde, mas minha mãe se preocupa tanto. Amém."

"Eu não sabia. Falei algo sobre temperamentos, mas ela sacudiu a cabeça e cruzou os joelhos, e uma sensação de suas belas coxas sendo alçadas ficou marcada na minha mente, uma sensação densa e sufocante, desejo quente e luxuriante de tomá-las em minhas mãos. Cada movimento que ela fazia, o suave giro do pescoço, os grandes seios inflando-se debaixo do guarda-pó, as belas mãos sobre a cama, os dedos estendidos. Estas coisas me perturbavam, um peso doce e dolorido me arrastando para um estupor."

Tem uma coisa nesse blues com Fante. Tem uma coisa nesse Arturo Bandini, que mexe comigo. Calma! Não sexualmente falando, não. Por favor... O espírito dele me incomoda. Não é esta a palavra. Eu gosto dele. Gosto. Mas ele é mole demais!
Ainda assim eu gosto, mas queria dar umas bofetadas nele pra ver se acorda.



*Trechos dos capítulos II e XIV de Pergunte ao Pó, John Fante.

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