A última vez que chorei, meu amor. E foi há tanto tempo que há areia em meus olhos. A vida como música numa vitrola a rodar sob a ponta d'agulha. O fio fora da tomada. Um jazz, um blues tão blue, tão down. Romantic. So sad and lovely, como Stormy Weather na voz de Etta James. Que voz! Ou como Astrud em Desafinado. Ou ainda Dream a Little Dream of Me, com a doce Ella. Ah, Petula Clark, Peggy Lee, Billie Holiday, Janis Joplin, Beth Gibbons, Fionna Apple, Madeleine Peyroux, Nina Simone... Eu poderia citar muitas aqui... São tantas em mim. São tantas dores e amores. Pouca carne para tanta alma. Corpo, esse limite que aborta os sonhos, que suplanta as vontades. Frágil cápsula, jugo dos românticos, mortalha das ilusões... Eu, vítima das minhas pirações, refém das mesas de bar, romântica incurável, pensei estar incólume à loucura. Mas nem só de amor e de pecados se alimenta uma pobre alma. É como queimar a boca com leite quente: dói muito na hora, permanece doendo por alguns dias e, durante esse tempo, você não sente o gosto de nada.
A vida se desenrola em acontecimentos inesperados. Esse é o padrão. Tudo aquilo que pode mudar, irá mudar. Porque vida é movimento, como diz meu pai. A vida é essa oscilação constante, de natureza tortuosa, ora caótica, ora tranquila, caminhos ciclicamente intrincados. A morte é linha reta. O maior desafio da vida é a própria vida: tudo não passa de uma apresentação improvisada, sem ensaio, para se aproximar do equilíbrio - esse delicado ponto abstrato pelo qual vivemos e do qual a manutenção é utopia. Quando se pensa estar confortável, a vida vem turbulenta e nos sacode de modo que tudo que voa para o alto cai em lugares e de formas completamente diferentes. Não mais há tempo para memorizar, o tempo todo tudo muda e tudo é novo de novo. E esse eterno desconhecido é a perfeição que alimenta nossa evolução. As contradições ficam por conta do que aprendemos como bom e ruim. Do que entendemos por sucesso, felicidade... O cansaço faz parte e coexiste com a calma, a irritação e a tranquilid...
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