A última vez que chorei, meu amor. E foi há tanto tempo que há areia em meus olhos. A vida como música numa vitrola a rodar sob a ponta d'agulha. O fio fora da tomada. Um jazz, um blues tão blue, tão down. Romantic. So sad and lovely, como Stormy Weather na voz de Etta James. Que voz! Ou como Astrud em Desafinado. Ou ainda Dream a Little Dream of Me, com a doce Ella. Ah, Petula Clark, Peggy Lee, Billie Holiday, Janis Joplin, Beth Gibbons, Fionna Apple, Madeleine Peyroux, Nina Simone... Eu poderia citar muitas aqui... São tantas em mim. São tantas dores e amores. Pouca carne para tanta alma. Corpo, esse limite que aborta os sonhos, que suplanta as vontades. Frágil cápsula, jugo dos românticos, mortalha das ilusões... Eu, vítima das minhas pirações, refém das mesas de bar, romântica incurável, pensei estar incólume à loucura. Mas nem só de amor e de pecados se alimenta uma pobre alma. É como queimar a boca com leite quente: dói muito na hora, permanece doendo por alguns dias e, durante esse tempo, você não sente o gosto de nada.
A arte de colher pedras preciosas
Às vezes precisamos de pessoas assim, que nos façam sentir a frescura do ar e o perfume das flores. De meninas tão leves e doces que venham com pedrinhas nas mãos - dizendo ser preciosas. De um chocalho, umas penas, alegrias e tendas. De colares, colores, olhares, manjares. Eu vi a luz hoje e me encantei como antes. Eu vi o azul da saia e a vida em avenidas e esquinas. Eu vi hoje a placa na rua que dizia "precisa-se de felicidade". E eu não escolhi o caminho da saudade. Nos pés, os chinelos batidos com pedrinhas brilhantes. Na bolsa, toda esperança querendo saltar pelas bordas. Eu vi o verde e meus olhos sentiram a falta da mãe. Do sal d'água que fica na pele e do sol queimando os cabelos na praia aberta. Sinto falta da saia rodada e dos panos enrolados no corpo. Sinto falta d'água na pele e o refresco d'alma. Veio o verão e já era tarde o pó de gelo abandonou os vidros da janela do quarto. Quero meu copo de gelo, com limão por favor.
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