Engraçado como alguns cheiros nos transportam pelo tempo...Hoje senti o perfume de uma mulher que estava ao meu lado no ônibus, que não sentia desde minha infância. Era tão característico de pessoas como ela, alguém que já deixou a juventude e pisou no campo do amadurecimento. Minha mente voltou a ser criança por alguns instantes. Lembrei de quando saíamos para as festas da família e de amigos – roupa nova, cabelos penteados, perfumados, cheiro de banho. De quando a vida parecia fácil e o sorriso era espontâneo. Das tardes de domingo em que a molecada jogava malha e taco na Tuparaí. Do “tio” que vinha com seu carrinho lotado de muppy, balões, fogueiras e churrascos no terreno abandonado. Senti saudades dos ovos de páscoa escondidos no jardim, em meio às flores e pedras. Das crianças brincando de boneca ou teatro. Havia casinhas de muro baixo, portãozinho e chão ladrilhado. Cerquinhas. Jardins floridos e muitas rosas. Pirulitos grandes e coloridos, em forma de chupeta. Caramelos e algodão doce. As casinhas eram coloridas e aconchegantes. Mas até as cores perderam a inocência. Hoje elas gritam e os muros das austeras casas são retos e altos e cinzentos. As árvores vivem cercadas por ferros e estacas. Não se sabe bem o que é árvore, o que é poste, pois não basta ser enraizada, tem de ser cimentada! Vejo em minhas lembranças aquelas tardes de inverno gostosas. Sol querendo aparecer, céu claro e forrado de nuvens com alguns buracos bem azuis. Brisa fresca a gelar o rosto prazerosamente. As ruas ainda molhadas da chuva e os pássaros voltando a assobiar, se espanando nos galhos encharcados. Também me recordei daqueles vestidos macios de algodão. Cheiro de comida caseira. Tristemente, hoje o que assisto é à superficialidade. Um mundo enlatado, metalizado, mecanizado. Plastificado. Pasteurizado. Não há mais lugar para a infância. Todos são “projetos de gente” e bolinha de gude é coisa do passado. Ai que saudades da minha inocência! Quando tudo era simples e não precisava mentir, nem fingir!
A arte de colher pedras preciosas
Às vezes precisamos de pessoas assim, que nos façam sentir a frescura do ar e o perfume das flores. De meninas tão leves e doces que venham com pedrinhas nas mãos - dizendo ser preciosas. De um chocalho, umas penas, alegrias e tendas. De colares, colores, olhares, manjares. Eu vi a luz hoje e me encantei como antes. Eu vi o azul da saia e a vida em avenidas e esquinas. Eu vi hoje a placa na rua que dizia "precisa-se de felicidade". E eu não escolhi o caminho da saudade. Nos pés, os chinelos batidos com pedrinhas brilhantes. Na bolsa, toda esperança querendo saltar pelas bordas. Eu vi o verde e meus olhos sentiram a falta da mãe. Do sal d'água que fica na pele e do sol queimando os cabelos na praia aberta. Sinto falta da saia rodada e dos panos enrolados no corpo. Sinto falta d'água na pele e o refresco d'alma. Veio o verão e já era tarde o pó de gelo abandonou os vidros da janela do quarto. Quero meu copo de gelo, com limão por favor.
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tudo mesmo.
- LINDO -